#OFF-STAGE # 12 -Entre atrasos e desilusões melaninadas
Ah, a vida! Essa melodia desafinada que nos embala entre o desejo de um cafuné de férias e a bofetada da realidade.
Preparem-se, caros leitores, para uma viagem agridoce pelos labirintos da existência, onde o sarcasmo é o nosso guia e a ironia, a nossa bússola. Porque, convenhamos, há dias em que só um bom cafuné na alma nos salva do abismo da mediocridade alheia.
Uma semana de ócio, meus caros, onde a alma se deleitou na mais pura preguiça, qual gato a receber um cafuné demorado. Confesso, porém, que a carteira não partilha do mesmo entusiasmo, lamentando a falta de lastro para tamanha vida boa. Mas, que se há de fazer? O regresso ao batente, ainda que por conta própria, tem o seu quê de sedução, um vício agridoce que nos prende à roda da fortuna.
E por falar em agridoce, permitam-me um desabafo sobre a odisseia aérea. Juro que, por estes dias, o meu karma deve ter feito um pacto com as companhias de aviação. Três voos, três atrasos monumentais, uma sinfonia de desorganização que me persegue como um mau presságio. O último, em Maiorca, foi a cereja no topo do bolo: um cancelamento que me condenou a doze horas de purgatório aeroportuário, à espera de um voo que, qual miragem, só apareceu no dia seguinte. Reclamar? Ah, sim, reclamar é um bálsamo para a alma, especialmente quando se desabafa com quem não partilha da mesma desgraça. É quase um cafuné para o ego ferido.
O tema de hoje, meus caros, deveria ser a apoteótica celebração dos dez anos da BANTUMEN, um evento que prometia ser um bálsamo para a alma, um cafuné de alegria em Lisboa. Mas, entre voos atrasados e o abismo das redes sociais, deparei-me com uma pérola de hipocrisia que me fez questionar a sanidade mental de alguns. Um cavalheiro, que no intervalo de uma ‘palmitagem’ e outra, lembrou-se da sua melanina e, qual cãozinho à procura de um cafuné, veio apelar à atenção alheia no Instagram. Identificou todos e mais alguns para um tema que, convenhamos, é nosso desde que o primeiro negro pisou estas terras. A minha irritação foi tal que me pergunto se o dito cujo é apenas um néscio ou um mestre na arte de chamar a atenção. Afinal, há menos de uma semana, bradou aos quatro ventos que não gosta de trabalhar com a comunidade e, de repente, surge com um ‘Portugal falha completamente com a dignidade das pessoas negras’. Ah, a ironia! É quase um cafuné na face da coerência.
Chateia-me, confesso, ver os meus irmãos de melanina acentuada, esses que adoram a posição de Chihuahua, a receber cafunés de donos caucasianos. Depois, mostram-se indignados quando os movimentos que realmente lutam pela nossa causa – seja o Movimento Negro em Portugal, o Vida Justa ou o SOS Racismo – trazem à baila os temas que afligem esta comunidade desmembrada. É uma indignação seletiva, um cafuné na hipocrisia, que me faz revirar os olhos.
A solução, meus caros, não reside nos vossos posts de redes sociais, nem nas marchas esporádicas que, qual procissão, fazemos pelas ruas. Não, a verdadeira mudança reside na vossa atitude diária, nessa coragem hercúlea de mostrar aos vossos ‘donos’ e ‘donas’ que a nossa existência não se resume a estatísticas de morte, desalojamento ou leitos hospitalares. Está no vosso discurso, que, qual veneno, inferioriza o semelhante; na vossa vergonha alheia, que vos faz esconder a própria sombra; nos vossos filtros de entrada e nas vossas divisões de classe, que, qual muralhas, nos separam. Poderíamos, com toda a propriedade, chamar-vos de burros do caralho, mas seria uma afronta aos próprios burros, criaturas de nobreza inquestionável. O que vos assola, na verdade, é um complexo de inferioridade com assinatura premium, um cafuné autoimposto que vos impede de ver a vossa própria grandeza.
Precisamos, sim, de um grupo de prevenção, uma espécie de sociedade secreta dos desiludidos, para pararmos de mendigar soluções a quem nos quer ver pelas costas. A quem, convenhamos, não tendes a coragem de confrontar, temendo, mais que tudo, perder o vosso precioso cafuné. Ah, a doce dependência do afago alheio, que nos impede de erguer a cabeça e lutar pelo que é nosso!
Confesso que me perco nas palavras, qual alma em tormento, ao deparar-me com tamanhas aberrações. A raiva, essa velha companheira, apodera-se de mim, alimentada por cada nova demonstração de hipocrisia. Mas, que se há de fazer? Esta raiva, sei-o bem, não me levará a lado nenhum, pois o sistema, qual teia invisível, foi urdido para estes manos e manas de pele escura, que, qual lobos em pele de cordeiro, vestem a capa de bons irmãos nas redes, mas, no privado, furam o olho do semelhante. É um cafuné de traição, um abraço de Judas, que me faz questionar a própria essência da camaradagem.
E por falar em falta de essência, eis que surge a nova temporada do projeto ‘Contado por Mulheres’, da UkbarFilmes em parceria com a RTP. Um projeto que, qual fénix, renasce das cinzas da primeira temporada, onde a diversidade, essa palavra tão em voga, foi solenemente ignorada. E agora, qual surpresa, a história repete-se, gerando um coro de críticas por parte de artistas, académicas e profissionais da cultura não branca. Uma carta aberta, qual grito de revolta, denuncia a ausência total de diversidade. Mas, que se há de fazer? Daqui a nada, daremos um cafuné num dos nossos e, qual passe de mágica, tudo o que está errado será ressarcido. Afinal, adoramos um bom cafuné, mesmo que seja na ferida aberta da hipocrisia.
Ainda me cruzei com a carta aberta do Wilds na BANTUMEN, um brado contra os ‘homens negros que odeiam mulheres negras’. Quem são estes manos? E porquê? Não consigo sequer conceber como um indivíduo, nascido do ventre de uma mãe negra, pode odiar uma mulher negra. Enfim, abro também um questionamento: por que debater estes temas em fóruns abertos a todos? Por que não um fórum fechado, onde a nossa vulnerabilidade não seja exposta aos ‘donos dos Chihuahuas’? Porra, e depois abrem espaços para a solidão da mulher negra que casou com o senhor caucasiano e reclama solidão porque tem vergonha da família preta. É um cafuné de hipocrisia, um abraço de urso que nos sufoca na nossa própria dor.
E para o mano que, qual Don Juan de província, levou duas negas da vizinha angolana e, num ápice, se consolou nos braços de uma donzela de Castelo Branco, proclamando aos quatro ventos que sempre quis uma negra, mas as negras não o querem. Ah, a ironia do destino! Não tenho nada contra a ‘palmitagem’, confesso, até porque já por lá deambulei. Mas, meus caros, o amor, para sobreviver a tamanhas diferenças, tem de ser mais forte que um cafuné de urso, mais robusto que um castelo de cartas. E se o amor vos bateu à porta na forma de uma pessoa branca, lembrem-se: a vossa melanina não se desvanece ao sol, e o respeito por vós e pelos vossos começa em vós mesmos. Não se deixem levar pelo cafuné da conveniência.
E fico eu, qual Prometeu acorrentado, a debater-me com esta minha personalidade de merda, incapaz de ignorar tamanhas afrontas. Não é bater nos meus, juro, é apenas um grito de alerta, um cafuné na consciência, para que nos respeitemos mais e mais. Porque, convenhamos, a auto-estima, quando bem cuidada, é o melhor cafuné que podemos dar a nós próprios.
Dia 12, meus caros, o Musicbox será palco de uma celebração que promete ser um bálsamo para a alma, um cafuné para os ouvidos. O aniversário da BANTUMEN, em especial São Tomé e Príncipe, e os 50 anos de independência. Resta saber se o Wilds Gomes, qual flautista de Hamelin, conseguirá convidar os duzentos são-tomenses que, dizem as más-línguas, existem no mundo. Que seja um cafuné de união, um abraço de esperança, para que a nossa comunidade, apesar de tudo, continue a brilhar.
kkkkkkk....e a palavra "Cafoné" tão inocente foi repetida mais de 20 vezes kkkk... hilário. Parabéns pelo seu trabalho e continue nos abrilhantando com a sua escrita leve como uma pluma. O Zoom não passou despercebido kkkkkkkk...