OFF-STAGE #04 – TechPark.CV da Praia Campus, Ilha de Santiago
Cabo Verde, tecnologia e memórias
Cabo Verde, galos madrugadores, calor e muito atraso
Testemunhar a inauguração do TechPark CV fez todo o sentido para mim, enquanto jornalista, especialmente por termos sido convidados pelo governo de Cabo Verde.
Mas a história desta newsletter não se resume a este capítulo no percurso da BANTUMEN, nem no meu como jornalista.
A história começa na viagem, que coincidiu com o Dia da Mãe, 4 de maio, dia em que a minha mãe faria 65 anos. Sim, perdi a minha mãe há quase dois anos. E quando penso nas imensas coisas que não vivi com ela, que não tive tempo de mostrar, rasga-me o coração. Demorei a viver as minhas conquistas perto dela, e cada minuto que não aproveitei porque achava que a teria para sempre terminou de forma trágica... Enfim, a minha mãe, Judith.
Comecei o dia com uma mensagem da Vanessa, outra da minha tia Santa, sua irmã mais nova, a darem-me os parabéns por esses 65 anos.
Mas sem mais choros... partimos para Cabo Verde. Quatro horas de avião a ver a nova série da Apple TV “Carême”, interpretada pelo jovem francês Benjamin Voisin, que faz de Marie-Antoine Carême, o primeiro chef famoso do mundo. De origens humildes em Paris, ascendeu ao auge do estrelato culinário na Europa napoleónica. Embora sonhasse apenas em se tornar o chef mais famoso do mundo, o seu talento e ambições atraíram a atenção de políticos poderosos e renomados, que o usaram como espião da França. A série foi desenvolvida por Ian Kelly em parceria com Davide Serino e dirigida por Martin Bourboulon, Laïla Marrakchi e Matias Boucard. A minha desculpa para ver a série é a participação da atriz Alice Da Luz, que é franco-cabo-verdiana e participou no filme “Hanami”, da Denise Fernandes (sobre o qual já escrevemos vários artigos na BANTUMEN). E sim, eu recomendo...
Ao chegarmos à capital cabo-verdiana, os irmãos Cabral, fundadores da Djassi África e que também estavam no mesmo voo, ofereceram-nos boleia, no Toyota Prado e motorista que os esperava no parque do aeroporto.
Malas retiradas e estávamos nós (eu e o Wilds) a caminho do nosso alojamento. O senhor que conduzia questionou onde nos iria deixar, e respondemos: na Vila Nova, perto da Fazenda. Na minha imaginação, parecia um condomínio ou um aparthotel, tendo em conta que a minha última hospedagem em Cabo Verde foi no hotel Praia Mar.
Para o motorista, foi fácil perceber onde iríamos; para o resto dos tripulantes, foi uma surpresa. Estávamos num bairro comum da cidade da Praia.
Ligámos para a Rosemery Moreira, prima do Wilds, estudante do último ano de Medicina, que nos foi receber e mostrar o quarto onde ficaríamos. Desceu dois andares para nos ajudar a subir com as malas e apresentou-nos as instalações: um quarto na parte de fora do apartamento, com uma cama de casal (que teríamos de dividir, claro), secretária e casa de banho — perfeito para qualquer jovem. O proprietário é Samuel Spínola, escritor e professor universitário, que normalmente aluga as acomodações a estudantes.
Confesso que foi um choque deparar-me com uma realidade que já não vivia há muitos anos, mas que ainda tinha memórias armazenadas nos confins da minha mente. Lembrei-me das experiências que tive em Angola e em muitos bairros periféricos de Lisboa. Hoje, luxo é ter um quarto com casa de banho privativa, bem longe dos valores absurdos que se praticam em Lisboa.
Sobre a inauguração do parque tecnológico, já existia um pré-convite para irmos ver o espaço no domingo, um dia antes do grande dia. Momento perfeito para conhecer outros colegas jornalistas e produtores de conteúdo.
Trocámos de roupa, descemos, apanhámos um táxi e partimos até à Terra Branca, na Rua d’Arte, para entregar uma encomenda vinda de Paris. Continuámos com o mesmo táxi até Sucupira, descrita no Tripadvisor como um típico 'mercado de pulgas' - marche aux puces, como dizem os franceses, ou seja, um sítio onde se podem encontrar artesanato, roupas e entre muitas outras coisas. Ótimo para comprar artigos únicos. É um pouco caótico, mas vale uma visita, avaliada em 3.8 em 5. Em poucas palavras, é um mercado.
Já com a fome de quem só comeu um croissant misto e um Ucal no aeroporto de Lisboa antes do embarque, estava em frente a uma barraca de comida com o Wilds, a reviver memórias da Guiné-Bissau. Pedi um Tchep blanc au poulet, prato típico da Costa do Marfim, embora, na verdade, em quase toda a costa ocidental africana, seja conhecido pelo seu bouillon parfumé, o caldo aromático que resulta da cozedura do frango temperado com legumes. É esse caldo que dá sabor ao arroz, cozinhado ali mesmo, para absorver tudo.
Os ingredientes são: frango temperado (com gengibre, alho, salsa, pimenta e sal), legumes frescos (como cebola, cenoura, repolho, abóbora, batata-doce, tomate, pimentões, pimenta fresca), ervas e especiarias (folhas de louro, mais alho e pimenta), água que se transforma no caldo de cozimento após ferver com os ingredientes.
Essa base rica e aromática é o que define o sabor do prato, mesmo sem o uso de molho de tomate ou corantes — por isso o nome “tchep blanc” (arroz branco), em contraste com o “tchep rouge” (vermelho), que foi o prato que o Wilds pediu. Os dois pratos ficaram por 600 escudos, o equivalente a 6 euros, já com o sumo de calabaceira, ou para os angolanos, sumo de mucua.
Lembro-me da primeira vez que comi isto. Foi em Bissau, em fevereiro deste ano, e acabei na casa de banho durante quase 50 minutos, bem no meio de uma entrevista, num escritório com menos de 25 metros quadrados. Mas afinal, o que somos nós sem histórias para contar?
Terminámos o almoço e, a caminho da paragem de táxi para seguirmos até ao TechPark, cruzámo-nos com a artista Verónica Lii - que está de férias no arquipélago - acompanhada pela prima que conduzia um SUV. Pusemos a conversa em dia e acabaram por nos dar boleia até ao Parque Tecnológico da Praia.
Assim que chegámos, ao primeiro olhar, o que me passou pela cabeça foi: os bradas (irmãos cabo-verdianos) estão muito à frente em relação aos outros PALOP. Quatro infraestruturas projetadas pelo arquiteto cabo-verdiano Fernando Maurício dos Santos e com mais de 54 milhões de euros investidos.
Como fomos alertados pelos nativos, em Cabo Verde as coisas não começam a horas. Logo, o encontro que estava marcado para as 15 horas locais, até às 17 horas não tinha acontecido. Neste tempo de espera, acabámos por fazer a nossa própria tour e gravar as cenas dos nossos primeiros vídeos sobre o TechPark, disponíveis no Instagram e TikTok da BANTUMEN.
Com o processo de limpeza a todo o vapor, centenas de pessoas trabalhavam para deixar tudo nos conformes para a inauguração, marcada para o dia seguinte. Começaram a chegar os responsáveis pelos convites e os convidados: empresários, jornalistas, influenciadores e o host do evento, o senhor Abdiel Camara, que também tinha os ensaios atrasados.
Já ambientados com o cenário de inauguração, fizemos algumas entrevistas, muitas delas ainda por editar, como a da empresária nigeriana Christina Onaja e do YouTuber Wode Maya.
Saímos do TechPark, o Wilds precisava cortar o cabelo a zero e terminámos a noite no Restaurante Linha d'Água, a jantar pizza do mar. A conta? 5.145 escudos (cerca de 50 euros). Éramos quatro: o Wilds, a prima Rosemery e a colega de casa, Nélida, que também é estudante de Medicina.
A nossa primeira noite em Cabo Verde foi difícil e marcada por um galo que começou a cantar às 2 da manhã, calor e também o facto de partilhar a cama com outro marmanjo.
Eram 6 da manhã do dia 5 de maio e já estávamos fora da cama, com muito ódio do galo. Pelo menos, o tempo permitiu um banho sem a preocupação de ter água quente para o banho.
A prima Rosemery fez-nos papa de aveia para o pequeno-almoço e convidou-nos para o jantar. Partimos para o TechPark de táxi. O Wilds ficou a fazer imagens de corte das apresentações e inaugurações, e eu fiquei numa das salas a editar o conteúdo que filmámos no domingo, e que podes ver na BANTUMEN.
Sobre a inauguração: estudantes, empreendedores, jornalistas, celebridades e muitos membros do governo. Tudo parecia uma cena política, com o grande objetivo de mostrar que o país está a olhar para o futuro e está bem à frente comparando com o os outros PALOP.
De todas as pessoas com quem conversámos na inauguração do TechPark na Praia, a conversa com o Dominick Donk foi a que resumiu o meu pensamento sobre o TechPark.
“Acredito que essa estrutura vai ser realmente uma ferramenta extremamente importante. Eu acredito que melhor ainda será se esse desenvolvimento for acompanhado com a construção de hospitais, com a construção de escolas, e isso tudo dentro de uma engrenagem realmente para servir o país na sua totalidade.”
Neste 4.º episódio da newsletter Off-Stage, partilho o que se passou nos bastidores da equipa BANTUMEN durante a inauguração do TechPark da Praia. No próximo número, levo-vos aos bastidores do que vivemos no Mindelo: a nossa tarde com a artista multidisciplinar franco-cabo-verdiana Gigi Origo, a visita ao bar Bombu Mininu de António Tavares e outras histórias — como as várias vezes em que nos perdemos a caminho do campus do Mindelo, onde está instalado o TechPark da cidade.