#OFF-STAGE # 14 - Mercúrio Retrógrado e Outras Desculpas para o Caos
Preparem-se para uma viagem agridoce pelos labirintos do azar, onde MacBooks se afogam e televisões voam, tudo sob o olhar atento de um Mercúrio Retrógrado.
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No episódio de hoje, trago-vos a saga de um MacBook Air M2 de 15 polegadas, com 16GB de RAM e 500GB de SSD, que, após quatro dias de festival na Cidade da Praia, partia com a sua proprietária. O destino? Paris, a capital francesa, mas com uma escala obrigatória no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa. A sua dona, uma jovem destemida, viaja sempre acompanhada de uma mochila onde, para além do MacBook e alguns acessórios, reside uma garrafa térmica com água. Uma combinação explosiva, diria eu.
Chegámos sãos e salvos ao aeroporto de Lisboa, mas com o tempo contado para o embarque para Paris-Charles de Gaulle. No processo de revista, com os nervos à flor da pele, a jovem proprietária, qual ninja, retira da mochila o MacBook Air e a sua garrafa térmica, destapando-a e pousando-a no cesto do controlo. Enquanto ela passava o detetor de metais, o MacBook e a garrafa seguiam juntos no raio-x. Já do outro lado, a jovem, com os dois objetos à vista, via-os a aproximarem-se, feliz, pois o seu voo já estava a embarcar. Mas a felicidade durou pouco. De repente, percebeu que o cesto onde estava o seu MacBook Air M2 de 15 polegadas estava embebido em água. Sim, ela abriu a garrafa sem nunca retirar a água lá de dentro, e, por segundos que pareceram uma eternidade, o seu MacBook mergulhou num cesto de aeroporto em mais de 750ml de água. Foi tempo de tirar o portátil do banho forçado, fingir que nada aconteceu e correr para o embarque. Já a entrar no Airbus A318, ligou-me a contar o sucedido. As minhas palavras foram: 'Tem calma, que vamos resolver'. Mas já era tarde. Nem a assistência Apple pôde fazer nada. Esta foi a história de uma amizade e companheirismo que terminou num mergulho inesperado.
Isto aconteceu há cerca de três meses, na última edição do festival Atlantic Music Expo. Hoje, esta jovem tem como companheiro de trabalho um Mac Mini M4. Posso garantir que sempre teve o meu apoio emocional e na escolha da máquina que o substituiu. Afinal, amigos são para estas coisas, não é?
Já venho escrevendo aqui que não ando muito feliz com os atrasos fora do meu controlo que têm acontecido à minha volta. Foram mais de cinco voos com atrasos de doze horas ou mesmo com cancelamento para o dia seguinte, assim como interrupções de transportes públicos, como comboio ou metro, tudo nos últimos dois meses. Uma verdadeira conspiração do universo contra a minha pontualidade, diria eu.
Resolvi parar de viajar, seja de avião, autocarro ou mesmo de carro em longas distâncias. Na altura, senti que era o certo a fazer, não só por superstições, crenças ou mesmo por uma fé sobrenatural, mas resolvi dar um tempo. Até porque sei, desde muito novo, que a morte e o azar andam de mãos dadas com pessoas da minha cor. Uma triste constatação, mas a vida é assim, não é?
Então, eu tinha em casa uma TV de 55 polegadas da marca TCL (The Creative Life), chinesa, que fazia parte dos meus planos para o verão quente de Paris. Quem não sonha em aumentar as horas de TV, zerar várias séries na Netflix e HBO Max e, finalmente, começar a jogar o modo história do Call of Duty: Black Ops 6, até porque o próximo está a chegar a 14 de novembro deste ano? Organizei a minha vida para ter todos os dias uma hora de PlayStation e um a dois episódios de Dragon Ball Daima. Um plano perfeito, sem falhas, diria eu.
No primeiro dia do resto do meu verão, o filho do vizinho de seis anos veio até à minha casa pedir sei lá o quê. Saí de África há mais de 20 anos para não ter ligações com vizinhos, e o que mais encontro aqui na capital francesa são vizinhos! Até já fui nomeado o melhor vizinho do bairro, acredito que deve ser porque passo muito tempo fora. Mas, desta vez, além de estar em casa, deixei a pequena criança armada com um bastão de croquet que me pareceu inofensivo. Até eu ir à cozinha buscar o pote de açúcar. Quando voltei, encontrei o ecrã da minha TV com metade a preto. O meu coração parou e apeteceu-me esganar aquele pedaço de ser humano, parti-lo ao meio e colocá-lo dentro da minha AirFryer da Ninja de 6 litros e depois meter no liquidificador e confecionar uma torta de criança para servir ao vizinho. Sim, a raiva era tanta que a minha mente divagou para caminhos obscuros.
O meu consciente tomou conta de mim, respirei fundo e chamei os responsáveis pela criança. Mas antes, voltei a guardar o meu açúcar, pois se eu não tenho TV, ninguém no mundo merece comer açúcar. O vizinho levou as mãos à cabeça, falou que iria resolver. Eu fingi que não era preciso, que era só uma criança, mas ainda bem que ele não me ouviu. No dia seguinte, os técnicos da marca vieram buscar a televisão para ver se tinha arranjo. Foi uma semana triste, onde o meu plano de perfeição não foi cumprido. Acabei por trocar as minhas horas dedicadas à TV por trabalho. Uma troca justa, não acham?
O meu interior desejava que a televisão não tivesse arranjo, assim o pobre vizinho iria substituí-la por uma do novo modelo (a que tinha era de 2023). Mas a TCL conseguiu trocar umas peças e a televisão está de volta a casa. Os técnicos tiraram-na da caixa, mostraram que estava a funcionar. Eu vi, experimentei tudo o que tinha de testar e fiquei de a montar na parede no final do dia.
Depois do trabalho, mega focado em voltar aos meus planos iniciais, quando, ao levantar a TV, tropecei nos meus Adidas Yeezy Slide Slate Marine e deixei cair a merda da televisão. E desta vez, nem que Jesus gritasse, como em Lucas 7:11-17, “Jovem, eu ordeno a você: levante-se”, a minha televisão voltaria a funcionar. O azar persegue-me, meus caros, qual sombra teimosa.
Na minha cabeça, surgiram várias resoluções: tentei fazer o tempo voltar, na minha angústia invoquei o Senhor, sim, clamei ao meu Deus: ‘Traga a minha TV de volta!’. Por último, entrei na aplicação do banco e até tentei o crédito, negado com sucesso por um chatbot do banco. Nem o universo, nem a tecnologia, nem a fé estavam do meu lado. Lembrei-me da minha colega, proprietária do MacBook Air M2, que já tinha passado pelo mesmo, e procurei consolo. A resposta dela? ‘Você é um burro, como deixaste cair a TV?’. Amigos, amigos, negócios à parte, e consolo, nem vê-lo.
Desliguei o telemóvel e fui pensar no que fazer sem a TV que está na minha vida há dois anos, que quase não uso, mas agora que a minha vida vai passar por séries (na Netflix e HBO) e jogos de PlayStation, a minha televisão de 55 polegadas deixou-me abandonado. É uma tragédia pessoal, diria eu.
Isto bateu tanto comigo que me levou a pesquisar sobre Mercúrio Retrógrado 2025, que está em Leão até ao dia 11 de agosto. A verdade é que não percebo nada do meu signo, imaginem sobre outros. Mas também fui ver o ponto de vista científico (astronómico): é um fenómeno visual que acontece quando o planeta Mercúrio parece mover-se para trás no céu, em relação ao seu movimento habitual. Ou seja, nada acontece com Mercúrio nem com a Terra durante esse período. É apenas uma mudança na perspetiva visual a partir do nosso ponto de observação na Terra. No entanto, este fenómeno responde aos males todos há muitos anos, então também me vou segurar neste Mercúrio Retrógrado para dar respostas às coisas mesmo boas que têm acontecido, como os atrasos no aeroporto ou a minha TCL que partiu para melhor. É a desculpa perfeita para tudo, não é?
Continuamos a preparar o MIA e a Powerlist 100, e prometo trazer as melhores histórias aqui. Nas próximas semanas, não sei bem o que vos trarei, mas estarei a viajar pelos próximos dois meses. Vamos ver o que a semana ou as lembranças antigas nos dão. Boa semana a todos! Subscrevam a newsletter e, se quiserem, podem pagar 5 euros por mês. Estamos juntos!