#OFF-STAGE # 16 - O Caos Amoroso das Férias Escolares
O Silêncio Ensordecedor da Ausência e a Sinfonia do Caos
Ah, as férias escolares! Esse período idílico que, para muitos, evoca imagens de sol, praia e sorrisos angelicais. Mas para outros, como eu, é o prenúncio de uma invasão doméstica, um turbilhão de amor e caos que testa os limites da sanidade parental. Duas semanas de silêncio na newsletter? Não, meus caros, foi o som ensurdecedor de pequenas vozes, de músicas de proveniência duvidosa e de uma energia inesgotável que me fez questionar as minhas escolhas reprodutivas. Preparem-se para um mergulho profundo no coração de um pai em férias forçadas, onde a linha entre o amor incondicional e a vontade de fugir para as montanhas é mais ténue do que nunca. Bem-vindos ao "O Caos Amoroso das Férias Escolares" – um diário de sobrevivência com pitadas de humor negro e muita, muita verdade.
Duas semanas. Duas longas e intermináveis semanas de silêncio na vossa caixa de entrada. Não o silêncio da paz, da contemplação, mas o silêncio imposto pela tirania do quotidiano, pela voragem de uma vida que, por vezes, nos engole sem aviso. E, para ser franco, o silêncio ensurdecedor de uma mente que, qual motor gripado, se recusava a funcionar. Sim, caros leitores, a vossa dose semanal de ironia e sarcasmo foi suspensa, não por falta de vontade, mas por uma invasão. Uma invasão de pequenos seres, outrora anjos, agora demónios em miniatura, que, com a sua inocência (e a sua capacidade de me levar à loucura), tomaram de assalto o meu santuário. As férias escolares, esse período de júbilo para uns, de purgatório para outros, transformaram a minha casa num campo de batalha, onde a banda sonora é um medley de músicas de proveniência duvidosa e as coreografias, um espetáculo de contorcionismo infantil. A minha cabeça, confesso, deixou de funcionar como devia. Tudo me irrita: o barulho incessante, as canções com letras que, na minha mente distorcida, soam a pura safadeza (sim, minhas filhas, o repertório do Deejay Telio, incluindo o ‘Que Safoda’, é um clássico instantâneo na vossa geração, mas um tormento na minha). É o preço a pagar pela paternidade, dirão alguns. Eu digo que é o preço a pagar por ter feito três filhas, eu, um filho único que passou a vida a achar que nem filhos queria. Ah, a ironia do destino!
Preciso contextualizar, caros leitores, o meu atual estado de espírito, que oscila entre a beatitude de um santo e a fúria de um demónio. As crianças estão de férias, e, para meu desespero (e para a alegria delas, presumo), não existe um único sítio além destas quatro paredes onde elas possam passar o dia. Eu, que estou habituado a ter a sua companhia apenas das 18h30 às 21h30 nos dias de semana, e a enchê-las de atividades extracurriculares aos fins de semana – natação, ténis, passeios de bicicleta em grupo (uma espécie de Strava para crianças, mas com mais gritos e menos quilómetros) –, vejo-me agora confinado a uma coabitação forçada, uma espécie de reality show familiar sem câmaras, mas com muito drama. Estar com elas por tanto tempo tem-me ajudado a conectar-me de formas que nunca imaginei, tanto positiva quanto negativamente. É uma montanha-russa emocional, onde a cada sorriso se segue um acesso de raiva, e a cada abraço, uma vontade incontrolável de fugir para as montanhas mais remotas, onde o silêncio é rei e a paz, uma utopia alcançável.
Neste confinamento forçado, estou a descobrir traços de personalidade meus nas miúdas que, sinceramente, as tornam seres pouco inteligentes. É uma constatação dolorosa, mas verdadeira, que me faz questionar a genética e o destino. E, ao mesmo tempo, apercebo-me de que, se envelhecer, vou, com certeza, acabar num lar daqueles que só recebem visitas no Natal, e olhe lá, se for uma hora. Meu Deus, eu cuidei da minha mãe até ao último dia da sua vida, mas sinto que as minhas filhas não vão cuidar de mim. É uma premonição sombria, mas realista, tendo em conta o cenário atual e a sua capacidade inata de me levar à beira de um ataque de nervos.
Segundo Freud, o pai da psicanálise, “Crianças não são escudos, não são alvos, não são culpadas. Crianças devem ser protegidas — sempre”. Mas tenho a certeza de que o bom do Freud não tinha em casa um bando de manipuladoras que me fazem fazer tudo por elas. É uma tirania disfarçada de amor, uma chantagem emocional que me desarma a cada olhar de cachorrinho abandonado, a cada lágrima estrategicamente derramada. A minha educação, essa sim, foi firme, dada pela minha mãe, tão firme que, aos 17 anos, escolhi fazer serviço militar a continuar dependente da sua aprovação. Levei tanto nos cornos que nunca chubei (reprovei) um ano letivo. Uma lição de vida que, aparentemente, não foi transmitida às minhas descendentes, que parecem ter um chip de rebeldia incorporado.
A minha filha mais velha, com 17 anos, nos últimos três anos, mudou de curso três vezes, porque o sistema de ensino inglês (Reino Unido) não vai de encontro ao que ela quer. E eu, coitado, não posso encostar um chinelo nela. É a geração Z, dirão. Eu digo que é a geração do ‘quero, posso e mando’, sem as consequências, uma geração que confunde desejo com direito. A minha filha mais nova é das mais comportadas na escola e das mais inteligentes, mas faz todos os trabalhos da sala de aula no seu tempo. Se a professora cumprisse a uma hora para as provas, ela, em 20 exercícios, teria feito apenas 10. É quase um ensino especial para pessoas mais lentas, mas com um QI acima da média. Um mistério, diria eu, uma contradição ambulante que me deixa perplexo.
Já a do meio, essa sim, é um anjo de pessoa e a mais querida da escola. Todos a adoram, até porque percebemos que ela tira os lanches (doces) de casa para oferecer aos colegas. Ou seja, deve estar a comprar votos ou amizades. Uma estratega nata, sem dúvida, uma futura líder de massas, mas que, por enquanto, se contenta em manipular os seus pares com guloseimas. E estar com elas nas últimas duas semanas e perceber que a mais velha tem o projeto de sair de casa aos 19, mas quer continuar a viver do meu dinheiro, e que as mais novas querem ser cantoras, YouTubers e gamers... É um choque de realidade, um murro no estômago do pai sonhador, que via um futuro mais convencional para as suas proles.
É bom parar para viver a paternidade, adorova ser como o Wilds Gomes, aquele super pai que parece ter todas as respostas. Mas eu vivo um amor e ódio em ser pai. Acho que tenho medo de não ter força suficiente para criar a ponte, para as fazer mulheres adultas com poucas incertezas e mais seguras de si. Não sei afirmar se estou ou não a fazer um bom trabalho, mas o investimento, em que o retorno não é financeiro, é apenas satisfatório. É uma aposta no escuro, uma fé cega no futuro, onde a única certeza é a incerteza. Se pudesse aconselhar alguém, iria sempre dizer: não faz filho... ou, pelo menos, faz um plano de fuga para as férias escolares.
E assim, caros leitores, encerramos mais um capítulo desta saga que é a vida, vista pelos olhos (e pela pena) da OFF-STAGE. Se esta incursão pelos meandros da paternidade, do caos doméstico e da eterna busca pela sanidade vos arrancou um sorriso, uma lágrima ou, quem sabe, uma identificação profunda, então a nossa missão foi cumprida. A vossa curiosidade é o nosso combustível, e as vossas gargalhadas, a nossa maior recompensa. Mas a aventura não tem de terminar aqui. Se desejam continuar a desvendar os segredos dos bastidores, a rir das nossas (e das vossas) desventuras e a fazer parte desta comunidade que, apesar de tudo, se recusa a ser categorizada, então o convite está feito: subscrevam a newsletter OFF-STAGE. É gratuita, sim, mas o vosso apoio, seja ele qual for, é o que nos impulsiona a continuar a desvendar as verdades inconvenientes e a celebrar a beleza do caos. Juntem-se a nós, porque a melhor versão da BANTUMEN, essa sim, está sempre a ser escrita, e vocês são parte fundamental dela.