#OFF-STAGE # 18 - A Desconexão Necessária e a Sinfonia do Regresso
Enquanto a classe trabalhadora se recompõe do torpor estival, nós, nos bastidores da BANTUMEN, já orquestramos o caos produtivo do último trimestre.
Ah, as férias! Não as minhas, claro, porque a vida de um escriba da BANTUMEN é uma eterna labuta, um ciclo vicioso de prazos e inspiração forçada. Falo das férias da classe trabalhadora, essa entidade mítica que, entre junho e agosto, se permite o luxo de desligar o cérebro e torrar ao sol. É o período em que, ironicamente, a nossa caixa registadora aqui na BANTUMEN parece entrar em coma induzido. Menos eventos, menos burburinho, menos… dinheiro. A cruel realidade de quem vive do frenesim cultural.
É um fenómeno curioso, esta obsessão europeia pelas férias de verão. O clima ameno, os dias intermináveis, as escolas fechadas tudo conspira para que a malta se atire de cabeça para o descanso. É uma tradição cultural, quase um ritual pagão, onde o setor do turismo se esmera em festivais e hotéis que, de repente, se tornam santuários de veraneio. E, claro, a praticidade: empresas e colegas sincronizam as suas pausas, criando uma espécie de êxodo coletivo em busca da felicidade e do bronzeado perfeito.
E nós, africanos, que vivemos aqui, nas barbas do nosso colonizador, acabamos por mimetizar estas vontades, como se o sol português fosse mais dourado que o nosso. Aqui na redação, este período é conhecido como a "época morta", onde nada acontece. Um exagero, claro, mas as atividades administrativas diminuem, e com elas, o pulso da cidade. É como se o mundo fizesse uma pausa para respirar, e nós, coitados, tivéssemos de acompanhar o ritmo, mesmo que isso signifique menos cliques e menos buzz.
Mas não pensem que estivemos a dormir à sombra da bananeira. Estes noventa dias serviram para o núcleo duro da BANTUMEN afinar a orquestra para o último trimestre de 2025. Teremos o MIA, como já vos tinha confidenciado no episódio anterior, e a quinta edição da POWERLIST (e sim, se comentarem, prometo não me esquecer de vos enviar o convite a vossa participação é a nossa validação, não se esqueçam!). Setembro, em particular, é o mês da caça às bruxas financeiras, o período em que fechamos as captações para ambos os eventos, enquanto a equipa de programação do MIA e os génios do grafismo trabalham a todo o vapor. Adoraria dizer-vos que está tudo assegurado, que não haverá percalços, que a perfeição é o nosso nome do meio. Mas a verdade é que, embora o caminho esteja bem traçado e os parceiros certos estejam a ser angariados, a vida, meus caros, é uma caixinha de surpresas. E nós, na BANTUMEN, somos mestres em transformar surpresas em oportunidades, ou, pelo menos, em boas histórias para a próxima newsletter.
Agora, puxando a brasa à minha sardinha, confesso que este ano tomei algumas decisões que me enchem de orgulho. Não que isso importe muito para os outros, porque o meu nível de egocentrismo está em alta, e a minha validação, meus caros, vem de dentro. Seria mais fácil se também orgulhasse outras pessoas, mas a vida é feita de escolhas, e a minha, neste momento, é ser o meu próprio fã-clube. E que fã-clube!
No mês passado, decidi cortar o cordão umbilical com as minhas redes sociais. Uma relação de amor e ódio, confesso, que oscilava entre o "faz todo o sentido" e o "que raio estou eu a fazer da minha vida?". Depois de muito matutar sobre esta nova fase da minha jornada cujo destino ainda me é incerto, para ser sincero a decisão de fechar as portas digitais não foi um capricho impulsivo. Foi um processo de consciência, alimentado por razões psicológicas, sociais, profissionais e, atrevo-me a dizer, existenciais. Psicologicamente, percebi que as redes, com a sua subtileza quase invisível, estavam a moldar os meus gostos e opiniões. Muitas vezes, já não sabia se gostava genuinamente de algo ou se estava apenas a replicar comportamentos alheios, numa espécie de mimetismo social. Essa pressão coletiva, essa imposição silenciosa, criava um ambiente onde a distinção entre a vontade própria e a influência das massas se tornava difusa, quase inexistente.
Notei também como a validação se transformou na moeda corrente do nosso tempo: o "visto", o "gosto", o comentário tudo se converteu numa medida de valor. Até os meus próprios familiares, numa simbólica, mas dolorosa, validação, pareciam dar mais importância ao que eu partilhava online do que à minha presença no dia a dia. E isso, meus caros, pesa. Mais grave ainda, em certas realidades, a própria validação institucional passa pelas redes. A forma como és percebido digitalmente pode determinar a tua entrada num país, um emprego, ou o respeito numa comunidade. É quase caricato que os Estados Unidos, hoje em dia, exijam informações sobre as tuas redes sociais para autorizar turismo, estudo ou trabalho. A identidade e a liberdade individual, pasme-se, estão a ser medidas pela tua pegada digital. Uma ironia digna de um conto de Kafka, não acham?
No campo social, a partilha nas redes revelou-se uma faca de dois gumes. Não estava apenas a expor a minha vida, mas também a privacidade dos meus familiares e amigos, muitas vezes sem o seu consentimento explícito. A naturalização desta exposição cria uma ilusão de proximidade que, no fundo, fragiliza os limites entre o público e o íntimo. É como se a nossa vida se tornasse um reality show sem guião, onde todos são, involuntariamente, protagonistas.
Ao mesmo tempo, as redes sociais carregam uma dimensão cultural avassaladora. A americanização e a brasileirização de comportamentos, linguagens e estilos de vida acabam por homogeneizar tudo. A diversidade é engolida por tendências globais que, muitas vezes, ignoram o contexto local, os códigos culturais próprios e até o bom senso. A falta de noção, o excesso de opinião sem responsabilidade, a normalização da polémica e do julgamento constante são sintomas claros deste espaço digital. É um circo de vaidades e opiniões, onde a voz mais alta nem sempre é a mais sensata.
Profissionalmente, também me vi sugado por um ciclo improdutivo. Demasiado tempo perdido em conteúdos que nada acrescentavam, demasiado foco em aparências em vez de substância. Fechar as redes foi um passo para recuperar o meu tempo, a minha atenção e, acima de tudo, o meu equilíbrio. É um detox digital, uma purga necessária para a alma e para a mente.
Existencialmente, foi um ato de libertação. Escolhi um minimalismo digital que me devolveu a calma, o silêncio e, o mais importante, a autenticidade. Voltei a valorizar o encontro presencial, a conversa verdadeira, o momento vivido sem a necessidade de registo ou partilha. É como se tivesse redescoberto o prazer de viver no presente, sem a constante pressão de documentar cada instante para uma audiência invisível.
A ideia não é demonizar as redes sociais, longe disso. É apenas explicar que, a mim, não me estavam a fazer bem. É um testemunho pessoal, uma confissão de quem se atreveu a desligar para se reconectar consigo mesmo. E, para os mais curiosos, o meu próximo passo é deixar de ter WhatsApp. Sim, leram bem. Abraçarei apenas quem tem iMessage/FaceTime (para os sortudos com iPhones) e aproveitarei a evolução das SMS/MMS tradicionais para RCS um protocolo de mensagens criado para substituir os SMS, trazendo recursos muito semelhantes ao WhatsApp, Telegram ou iMessage, mas diretamente dentro da aplicação de mensagens do telemóvel. Um regresso às origens, mas com um toque de modernidade, não acham?
A primeira vantagem de ter abandonado a minha presença nas redes sociais foi ter recuperado tempo para produzir música. Para quem não sabe, comecei a produzir lo-fi durante a pandemia da COVID-19 e até já tenho um álbum lançado. No entanto, há mais de um ano que não tocava nas minhas demos. No mês passado, além de voltar a produzir, fiz uma amizade que será fundamental neste meu processo de criação de lo-fi. É como se o universo conspirasse a meu favor, recompensando-me pela minha audácia digital.
Em fevereiro deste ano, conheci um jovem nipónico com raízes africanas, 19 anos mais novo que eu. Artisticamente, ele é conhecido como Kai’Tone, nome artístico de Kaito Diallo, natural de Osaka, Japão. Filho de pai senegalês e mãe japonesa, Kaito cresceu num ambiente multicultural que moldou profundamente a sua identidade musical. Até aos 14 anos, viveu no Japão, onde, desde cedo, teve contacto com a música clássica através da mãe, pianista. Depois, mudou-se para França, instalando-se em Sevran-Beaudottes, nos arredores de Paris. Foi lá que se adaptou, conheceu as raízes do país e tropeçou na forte influência africana presente em França. Acabou por largar a música clássica no prestigiado Conservatoire National Supérieur de Musique et de Danse de Paris, focando-se em composição e produção musical urbana. Ele tem acompanhado as minhas produções e tem sido um auxílio precioso na mistura e masterização. Uma parceria improvável, mas que promete frutos deliciosos para os vossos ouvidos.
É com imenso prazer que vos faço chegar, em primeira mão, meus queridos leitores, a minha nova faixa: “1AM”. Uma faixa lo-fi intimista e madura, que reflete a evolução do meu percurso desde a pandemia. Gravada no estúdio partilhado em Sevran-Beaudottes, esta melodia recria em som o momento em que conheci o Kai na Gare du Nord, captando a melancolia, a calma e a ligação espontânea desse encontro. É uma viagem noturna alternativa pela cidade, onde cada nota ecoa como um instante roubado ao silêncio da madrugada. Uma ode à serendipidade e à magia dos encontros inesperados.
Para aguçar o vosso apetite, deixo aqui uma prévia de 64 segundos para ouvirem e o link para fazerem o Pré-Save, seja no Spotify ou na vossa plataforma de streaming preferida. A faixa será lançada na próxima sexta-feira, 5 de setembro, e conto com o vosso suporte. Deixem abaixo um comentário com a vossa opinião sobre a faixa e, claro, façam o pre-save. Abraços e até à próxima semana, onde, quem sabe, vos conto mais uma aventura da minha (des)conexão digital. E lembrem-se: a vida é muito mais interessante quando não está a ser transmitida em direto.
A cortina pode ter descido, mas o espetáculo, meus caros, está longe de terminar. Se a vossa alma anseia por desvendar os fios invisíveis que movem os bastidores da existência, se as contradições humanas vos fascinam e se a ideia de pertencer a uma tribo que se recusa a ser rotulada vos seduz, então o vosso lugar é aqui. Subscrevam a OFF-STAGE. É um bilhete gratuito para um universo onde o caos é arte, a ironia é a nossa língua franca e cada pergunta inconveniente é um convite à reflexão. Juntem-se a nós, porque o verdadeiro drama, a comédia mais hilariante e as verdades mais cruas não se encenam no palco iluminado, mas sussurram-se nos corredores escuros, onde a conversa nunca cessa e a magia acontece.