OFF-STAGE #24: As Minhas Filhas, o MIA e uma Conversa de Merda (literalmente)
No mais recente episódio da newsletter "Off the Stage", Eddie Pipocas abre o livro sobre a sua vida pessoal e profissional.
Meus caros, o MIA começou, a minha primogénita está em Lisboa e, como se não bastasse, a Matilde, a minha filha que fez 9 anos no dia 7 de novembro, também. E, de repente, a minha vida, que já é um caos organizado (mais ou menos), tornou-se um furacão de emoções, conversas sobre cocó e pipocas servidas em eventos culturais.
Esta última semana foi boa. Muito boa. E todo o meu privilégio veio ao de cima. O privilégio de ter filhos, de sentir aquele amor incondicional, o verdadeiro, sem entrelinhas, sem trocas, o mais puro que existe. Aquele amor que te ativa todas as capacidades para manter aquele ser vivo... bem, vivo. E, de preferência, feliz.
Para quem não sabe, as minhas filhas foram morar com a mãe depois do incêndio que fez “reset” à minha vida, em setembro de 2020. Se quiserem saber mais, o Google é vosso amigo. Desde essa altura, não as vejo com a frequência que devia. A mãe delas orientou-se nas terras da Rainha Isabel e elas foram com ela. Agora, só nas férias é que estamos juntos. E estas últimas férias bateram certo com o início do MIA. Era a oportunidade perfeita para elas viverem ao vivo e a cores estas implementações de efeméride que, espero eu, será celebrada para o resto das nossas vidas.
O MIA deste ano está a acontecer na Casa do Comum, no 285 da Rua da Rosa, em Lisboa. E entre exposições, talks e sessões de cinema, lá andei eu a mostrar às miúdas os bastidores da BANTUMEN. Na inauguração, servimos bebidas juntos. A Ana Carolina filmou tudo e a Matilde, a aniversariante, serviu pipocas. Uma verdadeira empresa familiar, esta nossa BANTUMEN.
E que tal foram os eventos? Bem, deixem-me contar-vos. Na primeira semana, tivemos a exposição “Ecos da Memória”, com obras da Naia Sousa (Moçambique), do Sai Rodrigues (Cabo Verde), da Gigi Origo (França/Cabo Verde) e do Ricardo Parker (Portugal/Cabo Verde). A ideia era assinalar os 50 anos das independências dos PALOP e propor um olhar sobre a história como um eco vivo e transformador. Na inauguração, tivemos ainda as performances da Sani Dubois (”Chão que Vibra, Corpo que Responde”) e da Cynthia Perez (”Versos de Liberdade”). Foi bonito, foi intenso, foi artístico. E eu, claro, estava lá a beber um copo e a tentar parecer inteligente.
No dia 6, tivemos cinema. “Todos os Negros são de África?” foi o mote para a exibição do filme “Medida Provisória” (2020), do autor e ator brasileiro Lázaro Ramos. Depois, seguiu-se uma conversa sobre o cinema como espaço de resistência e de arquivo, com os atores Welket Bungé e Cléo Diára e a jornalista Marisa Mendes Rodrigues. Foi uma daquelas conversas que nos fazem pensar, sabem? E que nos fazem sentir um bocadinho mais cultos.
Na sexta-feira, dia 7, foi a festa de lançamento da Biblioteca Negra, uma iniciativa do realizador Fábio Silva. A ideia era celebrar a literatura negra, e tivemos o Poeta da Cidade, o Kenny Caetano, a Maíra Zenun, a Telma Tvon, a Nuna, o Batida, o André Cabral e o Fábio Krayze (DJ Robe) a animar a malta. Foi uma noite de poesia, de música, de copos e de boa conversa. E eu, claro, estava lá a beber um copo e a tentar parecer ainda mais inteligente.
Para fechar a semana, no dia 8, tivemos uma conversa sobre “Brincar com Identidade”, moderada pelo Wilds Gomes, com a Ângela Almeida (Colo di Mamá), o psicoterapeuta Henda Vieira Lopes e a Bárbara Almeida, a Titacatita, fundadora da plataforma Afrominds. Falámos sobre pertença, autoestima e a importância de brincar com a nossa identidade. E eu, mais uma vez, estava lá a beber um copo e a tentar parecer o mais inteligente de todos.
A par destes eventos todos, no dia 7, tivemos o aniversário da Matilde. 9 anos. E, pela primeira vez desde os 4, comemorou comigo. Fomos ao Ramen Shifu, mais um dos dez mil restaurantes de ramen que abriram em Lisboa. A comida não era nada de especial, mas a decoração, cheia de animes, deixou a miúda em ambiente de festa. E isso é que importa.
No jantar, a curiosidade. Estava a aniversariante, a irmã mais velha, a mãe delas e, para minha surpresa, a avó. Uma senhora de 63 anos, super reservada, que há 18 anos, quando soube que a filha estava grávida de um não-muçulmano, correu para a esquadra fazer queixa. Desde então, a nossa relação nunca mais foi pacífica. Mas, nos últimos 3 ou 4 anos, a senhora sorri para mim. É mega conversadora. Para mim, sentar-me na mesma mesa que ela é quase um milagre. E eu, na minha maldade, penso que só pode ser do Mal de Alzheimer que lhe foi diagnosticado.
A Ana Carolina, a minha filha mais velha, sempre viveu comigo, até ir viver com a mãe, aos 12 anos. Por isso, não estou a acompanhar de perto este processo da adolescência dela. Os namorados, as namoradas, as mentiras... Quem leva com isso tudo é a coitada da mãe. Eu sou o bom da fita, o que ralha pouco, o que não chateia muito. Mas, quando estamos juntos, sou sempre a pessoa chata, que dá muitos conselhos.
Numa das poucas vezes em que não estava a dar conselhos, ela contou-me que não gosta de “bufar”. Porque, uma vez, estava pronta para ir dormir, de pijama e tudo, e ao pensar que era um simples e barulhento peido, aconteceu o inesperado: borrou-se toda. E nesta conversa relaxante entre pai e filha, acabei por lhe contar uma das minhas aventuras no aeroporto internacional de Maputo. Entrei na casa de banho para fazer um cocó básico e rápido e acabei por deixar lá toda a alimentação que fiz durante uma semana na capital moçambicana. Mais de 4 quilos de excrementos naquele trono branco. E, na hora de puxar o autoclismo, não saía água. Já ouvia, ao longe, a última chamada para o meu voo para Adis Abeba. Para não deixar que ninguém encontrasse os meus 4 quilos de comida em forma de excremento, mantive a porta trancada por dentro, saltei pela janela da casa de banho e corri para o voo. Cheguei a pensar que eu sou uma das causas de não deixarem angolanos entrar em Moçambique.
Resumindo: numa semana de conversa com a minha primogénita, ela chegou ao pé de mim e disse que, de tudo o que falámos, a melhor conversa foi a sobre cocó. E isto deixou-me a refletir. Será que me tornei, realmente, um senhor chato?
Nesta altura da vida, também pensei que teria muito mais assuntos interessantes para contar sobre o verdadeiro propósito deste espaço, que são os bastidores da BANTUMEN. Mas a minha vida está tão misturada com a BANTUMEN que, às vezes, sinto que até as minhas ações pessoais afetam a forma como lido com os problemas da empresa. E vice-versa.
Este tempo com as minhas filhas foi uma recarga de energia. A energia que preciso para aguentar até ao dia 7 de dezembro, um dia depois da Powerlist. Sobre a Powerlist, estamos a fechar os 100 nomes. Ainda falta receber as votações dos parceiros de Angola, Moçambique e Brasil, mas, fora isso, está tudo a andar. Sei bem que viram que, este ano, além da Câmara de Lisboa, também estamos com o Auchan. Claro que isto não é um selo de qualidade, mas significa que estamos a crescer e a chegar a marcas maiores. E isso, meus amigos, é motivo para celebrar. Com ou sem conversas sobre cocó.
E pronto, meus caros, chegamos ao fim de mais uma incursão pelos bastidores da BANTUMEN. Se esta nossa pequena viagem vos fez soltar uma gargalhada, levantar uma sobrancelha ou simplesmente pensar “este gajo é maluco”, então o meu trabalho está feito. Mas a festa não tem de acabar aqui. Se querem continuar a espreitar por detrás da cortina, a rir-se das nossas (e das vossas) desgraças e a fazer parte desta tribo de gente que não cabe em caixas, o convite está feito. Subscrevam a OFF-STAGE. Sim, é de borla, mas qualquer apoio que queiram dar - seja um clique, uma partilha ou uns trocos para a versão paga - é a gasolina que nos mantém a andar. Juntem-se a nós nesta confusão, porque a BANTUMEN está sempre em obras, e vocês são os tijolos essenciais desta construção caótica.





