# OFF-STAGE #8 - A Torre de Babel e o Poder das Palavras
A Torre de Babel não foi construída com tijolos diferentes, mas com pessoas que deixaram de se entender.
Antes de mais, quero anunciar que o episódio 9 será sobre a Joana Alcântara, a jovem responsável pela agenda cultural da BANTUMEN, cujo percurso promete ser tão interessante quanto revelador do funcionamento dos bastidores da indústria cultural. Mas isso é para a próxima semana.
Hoje, preciso falar-vos de algo diferente. Algo que me fez refletir sobre como, mesmo falando a mesma língua, por vezes não nos entendemos.
Lembram-se da história da Torre de Babel? Aquela em que as pessoas tentavam construir uma torre tão alta que chegasse ao céu, e Deus, para impedir tal ousadia, confundiu as suas línguas para que não se entendessem? Pois bem, às vezes não é preciso falar idiomas diferentes para haver incompreensão. Basta estarmos na mesma comunidade, com os mesmos objetivos, e ainda assim, as palavras podem criar muros em vez de pontes.
No episódio anterior, fiz uma referência uma artista mega talentosa, que, sem qualquer intenção de magoar, as minhas palavras acabaram por causar desconforto. Usei a expressão "síndrome de timidez aguda" para descrever um comportamento em situações sociais. Foi um erro. Um erro pelo qual peço sinceras desculpas.
Não sou médico, e nem formação em psicologia, e não tenho o direito de atribuir condições clínicas a ninguém. As palavras têm peso, especialmente quando vêm de alguém com alguma visibilidade (no meio cultural). E as minhas palavras, neste caso, foram pesadas demais, inadequadas e potencialmente prejudiciais.
À DJ, quero dizer diretamente: peço desculpa pelo desconforto e pelo abalo emocional que as minhas palavras possam ter causado a ti, à tua família e amigos. Nunca foi minha intenção diminuir-te ou expor-te de forma negativa. Pelo contrário, sempre admirei o teu trabalho e o teu contributo para a cena cultural.
Esta situação fez-me refletir sobre como nós, pessoas negras, por vezes acabamos por reproduzir comportamentos que prejudicam a nossa própria comunidade. Como na Torre de Babel, estamos todos a tentar construir algo grandioso – uma cena cultural vibrante e diversa – mas por vezes a comunicação falha, e em vez de nos elevarmos uns aos outros, acabamos por criar divisões.
Há estudos em psicologia social que mostram como os vieses inconscientes afetam até mesmo as pessoas que pertencem aos grupos estereotipados. Tal como no estudo "shoot/don't shoot", onde participantes, independentemente da sua raça, reagiam mais rapidamente contra alvos negros, também nós por vezes reproduzimos preconceitos contra a nossa própria comunidade sem nos apercebermos.
Quando a Maira me disse que a DJ mega talentosa sofria de timidez, deveria ter questionado se era apropriado partilhar essa informação, especialmente usando terminologia clínica. Deveria ter percebido que, mesmo sem intenção maliciosa, as minhas palavras poderiam causar dor.
Quem define a dor senão quem a sente? Se a pessoa em causa diz que as minhas palavras a magoaram, não me cabe a mim questionar a validade desse sentimento. Cabe-me apenas reconhecer o impacto das minhas ações e tentar fazer melhor.
A minha intenção inicial era destacar o meu interesse em trabalhar com a Maira e, por extensão, com a DJ. Mas tal como Deus impediu a construção da Torre de Babel, as minhas próprias palavras impediram essa possibilidade, pelo menos por enquanto.
Na troca de emails que se seguiu, percebi o quanto as minhas palavras tinham sido inadequadas. Recebi um email a explicar como a minha referência a uma condição clínica sem qualquer base ou consentimento constituía uma violação da sua dignidade. E tinha toda a razão.
Mesmo após ter alterado o texto, o dano já estava feito. Como diz o ditado, "palavra dita não volta atrás".
Esta situação fez-me questionar o meu papel como comunicador. Tenho a responsabilidade de usar as palavras com cuidado, especialmente quando me refiro a outras pessoas. A newsletter OFF-STAGE pode ser um espaço pessoal, mas isso não me isenta da responsabilidade pelo que escrevo.
Também me fez pensar sobre como, por vezes, interpretamos mal os comportamentos dos outros. Como é fácil julgarmos os outros com base nas nossas próprias perceções limitadas! Como é fácil construirmos narrativas que se encaixam no que queremos acreditar, em vez de procurarmos entender o outro!
Neste episódio da Torre de Babel moderna que vivemos, onde, mesmo falando a mesma língua não nos entendemos, talvez o primeiro passo seja reconhecer as nossas limitações. Reconhecer que não sabemos tudo sobre o outro. Reconhecer que as nossas palavras têm impacto, mesmo quando a intenção não é magoar.
E talvez o segundo passo seja pedir desculpa quando erramos. Não um pedido de desculpas vazio, mas um verdadeiro reconhecimento do erro e um compromisso de fazer melhor.
Por isso, à DJ, peço novamente desculpa. As minhas palavras foram inadequadas e causaram dor. Comprometo-me a ser mais cuidadoso no futuro, a questionar os meus próprios vieses e a usar a minha plataforma de forma mais responsável.
E a todos os leitores da OFF-STAGE, obrigado por me acompanharem nesta jornada de aprendizagem e crescimento. Porque é disso que se trata, no final do dia – de aprendermos uns com os outros, de construirmos pontes em vez de muros, de usarmos as palavras para unir em vez de dividir.
No próximo episódio, como prometi, falarei da Joana Alcântara e do seu percurso na indústria cultural. Até lá, que possamos todos refletir sobre o poder das nossas palavras e sobre como podemos usá-las para elevar em vez de diminuir.
Quem te conhece minimamente percebe que não foi um comentário maldoso. De qualquer maneira, como tu dizes, nunca sabemos como a pessoa irá interpretar as nossas palavras...Erraste, reconheceste e pediste desculpa. Num mundo em que toda a gente está preparada para o ataque mas ninguém tem tempo para a escuta activa...foste um senhor por só ouvires o outro lado e reconheceres que erraste. A vida segue!
Co-Founder da BANTUMEN uma plataforma para engrandecer a comunidade negra, acabaste por tentar colocar para baixo uma artista mulher, negra, talentosa no teu artigo anterior e espero que tenhas no mínimo noção do que fizeste, que foi muito bem pensado.
Ainda que seja a tua página pessoal, nunca ouviste dizer “nas costas dos outros vejo as minhas?” muita gente neste momento ficou de pé atrás.
Apesar da tentativa de retratação, continua tudo muito centrado em ti — na tua dor, no teu processo, no teu crescimento.
Mas quem foi exposta aqui foi uma mulher negra, artista, que tem batalhado com dignidade e talento numa cena que nem sempre a valoriza. Se dizes defender a cultura negra, devias ter tido ainda mais cuidado e respeito com ela.
Reduzi-la a um rótulo clínico (sem consentimento!) e usá-la como exemplo numa narrativa tua foi um erro sério — e as palavras bonitas agora não apagam isso.
Pedir desculpa é um começo. Mas respeitar de verdade é não usar os outros como conteúdo. Especialmente colegas negros que, como tu, estão a construir algo. Ou pelo menos a tentar.